Objetivo é garantir que os clubes operem com base na realidade de suas receitas, promovendo quitação de dívidas e reforçando a responsabilidade fiscal
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), sob liderança do presidente Samir Xaud, instituiu um grupo de trabalho para elaborar, em até 90 dias, um regulamento de Fair Play financeiro batizado como Sistema de Sustentabilidade Financeira (SSF). O objetivo é garantir que os clubes operem com base na realidade de suas receitas, promovendo quitação de dívidas e reforçando a responsabilidade fiscal, com aplicação gradual conforme capacidade de cada time.
Esse grupo de trabalho atende a uma exigência do art. 188 da Lei Geral do Esporte, que estabeleceu que cada organização de administração do esporte nacional deverá criar o seu próprio regulamento de fair play financeiro, com vista a um maior equilíbrio financeiro, entre patrimônio líquido e endividamento dos clubes, inclusive para fins de contratação de atletas e aportes de valores pelos acionistas.
Sócio do Ambiel Advogados e membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SP, Felipe Crisafulli ressalta, entretanto, que nem tudo são flores. “Do ponto de vista prático, o fair play financeiro poderá trazer vantagens, pois evitaria a assunção de dívidas impagáveis pelos clubes, limitando seus gastos àquilo que efetivamente arrecadam. Do ponto de vista jurídico, porém, embora prevista em lei, há dúvidas quanto à constitucionalidade da medida, por possível violação aos princípios da ordem econômica, entre eles a propriedade privada, a livre iniciativa e a livre concorrência, bem como à autonomia desportiva”.
A implementação em si do fair play financeiro no futebol brasileiro não é uníssona. Há defensores do sistema, mas também inúmeros críticos. Além disso, sequer o modelo é padronizado ao redor do mundo. De acordo com o advogado antes de avançarmos nesse tipo de propostas, o ideal seria questionarmos por que motivos é necessário um fair play financeiro.
“É de se pensar se, enquanto sociedade, teremos errado em algum momento para precisarmos chegar a esse ponto. Afinal, a principal justificativa à sua adoção é assegurar a saúde financeira dos clubes. Qual dona de casa ou pai de família não sabe que, se ganha 'x' todo mês, não pode gastar 'x + y', senão a conta não fecha? As leis vigentes no País deveriam ser – e a princípio o são – suficientes a impedir que se gaste mais do que se arrecada e, pois, garantir a saúde financeira dos clubes”, argumenta o advogado.
Crisafulli pondera, ainda, até que ponto essa limitação contraria o que se vê nos mercados em geral. ”Sendo o futebol profissional verdadeira atividade econômica, a sua lógica subjacente é a da livre iniciativa e liberdade econômica. Que outros agentes econômicos sofrem com esse tipo de restrições? Não vemos em nenhum setor privado da economia, desde o agronegócio até a aviação, do ramo de pet shops a postos de combustíveis, os gastos das empresas limitados de forma artificial, isto é, através de uma ‘canetada’, ‘de cima para baixo’”.
De todo modo, o torcedor brasileiro não deve ver o SSF como bala de prata, capaz de solucionar todos os males do futebol nacional ou equilibrar os times e combater as desigualdades entre os grandes e os pequenos. “Na Europa não é assim, no Brasil tampouco será. Trata-se de mecanismo cujo objetivo é a promoção da responsabilidade fiscal, o estímulo a um bom e racional uso das receitas e a sustentabilidade, no longo prazo, das organizações esportivas. Em essência, o fair play financeiro é nada mais que um conjunto de medidas de gestão e administração das entidades, juntamente com a observância das regras e estrito cumprimento das suas obrigações, especialmente aquelas de natureza trabalhista e fiscal”, conclui o especialista.
Fonte:
Felipe Crisafulli - sócio do Ambiel Advogados. Especialista em Direito Desportivo e Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal). Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SP.
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