quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Uma pescaria nos tempos da linguiça

José Ferreira Xavier
Aposentado, pescador e Vicentino
Nestes tempos de pandemia com o novo coronavírus, fiquei privado das pes­carias mais distantes de Lafaiete, já que nossa meta é evitar as aglomerações e os encontros presenciais acabam provocando isso. Neste momento, todo o cuidado é pouco, mas recordar as boas lembranças e as pescarias do passado fazem bem à alma e ajudam a sobreviver nesta época difícil pela qual nós estamos passando. Dias desses, desfilou em minha mente as lembranças das aventuras de outrora, feitas no auge de minha juventude, na famosa e inesquecível rua do Sapo, hoje Geraldo Bitencourt.
O nosso grupo de pescadores, preferencialmente, gostava de pescar no rio dos Almeidas, como chamávamos antigamente. O curso d’água tinha um bom volume e era notadamente famoso por ter em seus pesqueiros as atraentes chatinhas dos rabos avermelhados, peixes ariscos e gostosos de serem fisgados. Havia entre nós os pescadores mais experientes, que se gabavam de sua habilidade em capturar esses peixes. Fazíamos o nosso trajeto de pescaria a pé ou no dedão, como diziam alguns; saíamos bem de manhãzinha, como falava o meu avô Antônio Beltrão, o que significava sair bem antes do sol nascer. De posse de nossos simples equipamentos de pesca, que consistia num samburá, duas varas de bambu e outros apetrechos, como linhas, anzóis e o indispensável “bornal”, além de uma garrafa de café que não era térmica - era de vidro com o rótulo de um famoso refrigerante -, sendo que a rolha da garrafa era improvisada com o sabugo de milho, iniciávamos nossa aventura com alegria e entusiasmo. Junto a isso tudo, ia um pão de sal, tipo bisnaga, e um bom naco da então menos famosa linguiça Maria Rosa.
O trajeto, sempre feito a pé, passava pelos bairros Manoel de Paula, Morro da Mina, Estiva, Alto do Pinhão, e depois de transpor porteiras, tranqueiras e cercas de arame farpados e ter alguns arranhões, inclusive das árvores de es­pinhos, chegávamos na localidade de Sis­ma­ria, o nosso primeiro destino da aventura. Nosso objetivo era chegar às barrancas do rio nos primeiros raios de sol da manhã. Entendia-se que era o momento de mudança da temperatura da água e hora ideal para os peixes procurarem o seu primeiro alimento do dia. Era só lançar o anzol com uma boa isca e oferecer aos peixes o seu primeiro café da manhã, coisas de pescador. Às 11h da manhã fazia-se o intervalo para a boia, hora de assar a famosa linguiça Maria Rosa e contar os peixes pescados, um momento oportuno dos mais experientes pescadores se gabarem da sua habilidade em capturar as famosas chatinhas. Era costume nosso, logo após o almoço, descer o rio batendo lambaris até a conhecida Lagoa Nova, hoje Lagoa da Copasa, na região da Água Preta. O lago era o local ideal para os menos afortunados, que não tinham conseguido pegar as chatinhas, para tirar a vaca do atoleiro.
Nas águas paradas da lagoa, os carás ou cará relógio viviam em profusão no seu habitat natural. Esses peixes eram muito fáceis de ser fisgados, pois tinham o inconveniente de engolir o anzol e ser muito escamoso, mas com um pouco de sorte, alguém acabava fisgando uma traíra e resolvia sua pescaria. Mais uma vez, relembrando o meu avô, na boquinha da noite era hora de acender nossas cambonas a querosene, recolher nossas tralhas, vencer o cansaço e regressar. Era muito cansativo, mas “bão” de mais. Que saudade de nossas aventuras!
Fonte: CORREIO DA CIDADE

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