quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Flamengo fica com cerca de R$66 milhões dos direitos de TV em 2019

Inspirado por fórmulas bem-sucedidas na Europa, no futebol brasileiro começou a vigorar em 2019 um novo modelo para a distribuição do dinheiro de emissoras de televisão – mais especificamente, recursos do Grupo Globo e da Turner, empresas que compraram os direitos de transmissão pelo período que compreende de 2019 a 2024.

Baseado nas premissas de ambas as emissoras e nos valores apurados e checados com dirigentes dos clubes, o blog estimou quanto recebeu cada participante da primeira divisão do Campeonato Brasileiro.

Os valores não são oficiais. Mesmo hospedado pelo GloboEsporte.com, este blog não teve acesso a informações privilegiadas por parte do Grupo Globo. A Turner também não abriu valores à reportagem.

O blog entra no assunto para esclarecer de que maneira os direitos de transmissão estão sendo divididos pelo futebol brasileiro. E a conclusão, em síntese, é de que o sistema adotado para as televisões aberta e fechada foi bem-sucedido no propósito de equilibrar os campeonatos nacionais. Mas ainda há problemas graves a corrigir no todo, em particular quando se trata da distribuição do pay-per-view.

Como funciona o novo modelo

Valores eram determinados até 2018 por negociações unilaterais entre clubes e emissoras. A depender do perfil do clube (tamanho de torcida, renda e local de residência do torcedor, potencial de audiência) e das circunstâncias da negociação (condições financeiras, capacidade de barganha), as cifras eram decididas individualmente.

As agremiações mais populares levavam vantagem e assinavam contratos de longa duração. Valores eram fixos, então podiam ser antecipados via empréstimos bancários. Clubes com menos torcedores ou afastados do Sudeste conseguiam contratos com um ano só.

A partir de 2019, o Brasil importou o modelo que ficou famoso no mundo por meio da Premier League, a liga de futebol da Inglaterra. Embora as negociações ainda aconteçam de maneira individual no futebol brasileiro – em vez de coletiva, por meio de liga –, clubes assinam com Globo e Turner e fazem parte de um sistema que distribui a verba de acordo com parâmetros pré-determinados.

No Grupo Globo, a televisão aberta (Globo) distribuiria R$ 600 milhões no total, e a televisão fechada (SporTV) distribuiria R$ 500 milhões. O dinheiro passou a ser dividido da seguinte maneira.

40% são divididos igualmente entre todos os clubes
30% são divididos conforme número de jogos transmitidos
30% são divididos de acordo com colocação na tabela

Na Turner, companhia americana que comprou o brasileiro Esporte Interativo e comprou apenas direitos para a TV fechada (TNT), a quantia inicial seria de R$ 520 milhões. Distribuídos no seguinte critério.

50% são divididos igualmente entre todos os clubes
25% são divididos conforme a audiência dos jogos
25% são divididos de acordo com colocação na tabela

Além disso, a Globo ainda gastaria R$ 650 milhões com a compra dos direitos de transmissão no pay-per-view (Premiere FC) em 2019. Os valores seriam repartidos conforme uma pesquisa encomendada pela emissora a um instituto de pesquisas em cima da base de assinantes.

Também foi firmado um compromisso para que a Globo avançasse na criação de um cadastro dos assinantes de cada time no Premiere, a partir de 2020, quando o valor global passaria a R$ 700 milhões.

Essas foram as regras estabelecidas nas negociações que aconteceram em 2016, após concorrência entre Globo e Turner, levando em consideração reivindicações dos próprios clubes. Os acordos foram assinados naquele momento e começaram a vigorar em 2019.

O equilíbrio nas tevês aberta e fechada

O Flamengo foi o clube com a maior cota de televisão nas plataformas aberta e fechada, seguido de perto por Athletico-PR, Grêmio, Palmeiras e São Paulo. A ordem dos clubes é diferente da anterior, na qual atleticanos e gremistas estavam distantes dos flamenguistas. A diferença entre a maior e a menor cota também caiu drasticamente. A Chapecoense recebeu metade do melhor remunerado.

O blog estimou e publica abaixo, na tabela, os valores correspondentes a cada um dos critérios demonstrados nos parágrafos anteriores.

A distribuição do dinheiro das tevês aberta e fechada em 2019

ClubeIguaisTransmissõesPerformanceTotal
FlamengoR$ 22.000.000R$ 11.705.392R$ 33.000.000R$ 66.705.392
Athletico-PRR$ 22.000.000R$ 23.500.006R$ 19.400.000R$ 64.900.006
GrêmioR$ 22.000.000R$ 14.359.518R$ 28.050.000R$ 64.409.518
PalmeirasR$ 22.000.000R$ 19.048.063R$ 21.200.000R$ 62.248.063
São PauloR$ 22.000.000R$ 12.368.923R$ 24.750.000R$ 59.118.923
CorinthiansR$ 22.000.000R$ 14.509.685R$ 21.450.000R$ 57.959.685
SantosR$ 22.000.000R$ 13.059.115R$ 22.100.000R$ 57.159.115
GoiásR$ 22.000.000R$ 16.012.060R$ 18.150.000R$ 56.162.060
InternacionalR$ 22.000.000R$ 15.238.982R$ 17.600.000R$ 54.838.982
Atlético-MGR$ 22.000.000R$ 19.805.364R$ 12.210.000R$ 54.015.364
FluminenseR$ 22.000.000R$ 18.315.562R$ 11.880.000R$ 52.195.562
BotafogoR$ 22.000.000R$ 18.315.562R$ 11.550.000R$ 51.865.562
VascoR$ 22.000.000R$ 14.847.737R$ 13.200.000R$ 50.047.737
BahiaR$ 22.000.000R$ 10.786.975R$ 12.740.000R$ 45.526.975
CearáR$ 22.000.000R$ 8.503.238R$ 11.120.000R$ 41.623.238
AvaíR$ 22.000.000R$ 18.991.665ZeroR$ 40.991.665
CSAR$ 22.000.000R$ 18.328.134ZeroR$ 40.328.134
CruzeiroR$ 22.000.000R$ 16.500.279ZeroR$ 38.500.279
FortalezaR$ 21.000.000R$ 5.934.066R$ 10.800.000R$ 37.734.066
ChapecoenseR$ 22.000.000R$ 14.209.350ZeroR$ 36.209.350
TotalR$ 439 milhõesR$ 304 milhõesR$ 289 milhõesR$ 1,032 bilhão


Algumas particularidades ajudam a entender os números:

- Seis clubes assinaram contratos Globo e Turner ao mesmo tempo. Neste caso, eles estão enquadrados no 40-30-30 para a televisão aberta e no 50-25-25 para a fechada. São eles Athletico-PR, Bahia, Ceará, Internacional, Santos e Palmeiras
- O Fortaleza também vendeu os direitos da tevê fechada para a Turner, mas estava na Série C no momento da assinatura. Por isso não faz parte do sistema de distribuição. Em vez disso, recebeu apenas R$ 9 milhões, computados pelo blog na parte igualitária
- O Athletico-PR não assinou com a Globo pelo pay-per-view. Em contrapartida, a emissora aumentou a quantidade de transmissões nas televisões aberta e fechada para atender o torcedor. Isso fez do clube paranaense a maior receita nos 30% referentes às exibições
- Os quatro rebaixados não receberam nada em termos de performance. Os quatro tinham contrato com a Globo. A emissora entende que essa característica merece ser revista para 2020. Os rebaixados precisariam ter direito a alguma verba nesses 30%

Na televisão fechada, os valores dedicados pelas emissoras foram proporcionais ao número de clubes que fechou com elas. Em outras palavras, a Globo pagaria R$ 500 milhões e a Turner gastaria R$ 520 milhões somente se elas tivessem todos os 20 clubes do Brasileiro.

Como não tinham os direitos de todos os competidores, as verbas foram racionadas proporcionalmente ao número de clubes com contrato. A Globo distribuiu 13/20 da quantia que havia prometido, e a Turner repassou 6/20 – a lembrar que o Fortaleza ficou fora da partilha.

Também houve uma alteração nos valores da Turner. A princípio, o montante proporcional aos seis clubes com contrato seria de R$ 156 milhões no total. Essa quantia foi reduzida para R$ 120 milhões – R$ 60 milhões foram repartidos igualmente, R$ 30 milhões ficaram condicionados às audiências, e R$ 30 milhões, às colocações na tabela.

Os clubes que assinaram com a Turner também entraram em acordo sobre a parte condicionada à performance. Em vez de obedecer a uma pirâmide, dirigentes optaram por repartir os R$ 30 milhões em partes iguais para todos os seis clubes. O acordo poderá ser revisto no ano que vem, caso os cartolas decidam repartir a grana de modo meritocrático.

Para estimar a parcela vinculada ao número de transmissões na Globo, o blog usou a tabela publicada pela CBF para saber em quais plataformas e canais cada partida foi exibida. No caso da Turner, que usou audiências como critério em vez da quantidade de transmissões, o blog buscou os pontos no Ibope de todos jogos transmitidos pelo TNT e calculou a participação de cada um dos clubes sobre o total.

O desequilíbrio no pay-per-view

Enquanto as televisões aberta e fechada contribuem para que o futebol brasileiro fique mais equilibrado financeiramente, o pay-per-view puxa para a desigualdade. Ainda não há informação suficiente para simular valores, mas é possível cravar que há desequilíbrio por causa de uma distorção que não foi prevista na concepção do modelo anos atrás.

A história do pay-per-view é mais difícil do que qualquer um poderia imaginar. A princípio, a Globo distribuiria R$ 650 milhões a todos os clubes da primeira divisão conforme pesquisa na base de assinantes. Isso foi acordado em 2016, no momento da assinatura dos contratos. Só que o valor e a mecânica da distribuição foram alterados até 2019.

Entre 2017 e 2018, a maioria dos clubes estava com graves problemas financeiros. Embora eles tivessem acabado de receber consideráveis luvas, o dinheiro foi consumido por dívidas, mas as dívidas não acabaram. Dirigentes passaram a procurar a Globo, então, para que a emissora os ajudasse com a anuência para que eles tomassem empréstimos bancários dando os contratos de tevê como garantia.

A Globo cedeu. No entanto, receosa de que os pacotes de pay-per-view não fossem gerar receita suficiente para distribuir R$ 650 milhões e ainda pagar pela operação do Premiere, a emissora condicionou a ajuda a algumas revisões nos contratos que tinham sido assinados em 2016.

Em primeiro lugar, a companhia propôs que o mínimo garantido coletivo de R$ 650 milhões acabasse. Se as vendas das assinaturas não chegassem a tanto, o valor poderia ser diminuído. Em segundo, os clubes que foram acudidos também precisariam abrir mão dos mínimos garantidos individuais aos quais teriam direito sobre o total. Valores estipulados não em percentuais, mas em milhões de reais.

O problema é que a maioria dos clubes concordou com as condições, mas não todos. Corinthians, Flamengo, Grêmio e Palmeiras estavam em boas situações financeiras e não precisaram da ajuda da Globo. Como eles não aderiram às novas condições, mantiveram o direito de receber as suas garantias mínimas. No caso do Flamengo, único a divulgar o valor, o mínimo sobre o pay-per-view é de R$ 120 milhões.

Hoje, dirigentes contam com cerca de R$ 550 milhões no pay-per-view, segundo apurou o blog. A Globo não se manifesta sobre valores.

À medida que o pay-per-view perdeu a garantia mínima coletiva, mas alguns clubes mantiveram partes fixas sobre o total, os percentuais de todos os outros tendem a ser fortemente impactados. Em outras palavras, no momento em que a emissora descontar as partes fixas de Corinthians, Flamengo, Palmeiras e Grêmio, o valor restante será menor do que previsto anos atrás e fará com que os repasses sejam proporcionalmente menores para os demais.

Imagine que o pay-per-view é uma torta a ser repartida por vinte pessoas. Cada uma tinha um pedaço com tamanho pré-determinado. Acontece que muitas delas desistiram da garantia sobre os tamanhos de seus pedaços, mas não todas. No momento de cortar a torta, algumas pessoas mantiveram seus pedaços inteiros, como se nada tivesse acontecido. Como a torta ficou menor, os pedaços de todas as outras ficaram menores do que elas esperavam.

Este assunto permanecerá aberto até o início de 2020, quando serão contabilizadas as assinaturas, as receitas e as partes de cada clube sobre o total. Por não haver dados suficientes, o blog abdicou de fazer a simulação dos valores previstos. Mas a disparidade é certa, e o problema deverá ser discutido entre dirigentes nos próximos meses.

Opinião do blogueiro

O futebol brasileiro passa por momento decisivo. Por muito tempo nivelado pela bagunça e pela irresponsabilidade de seus dirigentes, todos assistiram às reestruturações de Flamengo e Palmeiras, clubes que colecionam títulos e arriscam, pela primeira vez, tornar o Brasileiro em campeonato previsível como são as grandes ligas europeias.

Não há como culpar a televisão pela desigualdade no futebol. A disparidade é imparável. Flamengo e Palmeiras têm vantagens muito maiores do que adversários em fontes como patrocínios, bilheterias e sócios. Mesmo que direitos de transmissão fossem ou sejam equilibrados, não era, nem será suficiente para equilibrar o jogo.

No entanto, ao mesmo tempo em que o reequilíbrio do futebol passa por questões estruturais – revisão do calendário, entrada de investidores que hoje estão alheios ao mercado futebolístico e reestruturação política, administrativa e financeira dos clubes que ainda insistem na bagunça –, não há como negar que os direitos de transmissão são a única receita manejável em favor de interesses coletivos.

Em outras palavras, não há como repartir entre competidores os valores de patrocínios, bilheterias e sócios. Apenas o dinheiro da televisão pode obedecer a uma lógica que privilegie o equilíbrio.

Torcedores gostam de lembrar que na época do Clube dos 13 a partilha da televisão era mais equilibrada, mas a realidade é que aquele modelo não era justo. A hierarquia era decidida de acordo com a potência do gogó dos dirigentes em questão, enquanto clubes afastados do Sudeste eram excluídos ou diminuídos por força política. Nem era justo o formato que foi adotado em seguida. Negociações individuais e "livre mercado" privilegiaram Corinthians e Flamengo.

Em um mercado desordenado como é o do futebol brasileiro, no qual dirigentes de clubes são incapazes de trabalhar em conjunto ou defender pautas comuns, toda transição é complexa e gradual.

O novo sistema de distribuição das televisões aberta e fechada equilibrou os repasses. Não foi fácil chegar a esse modelo. Clubes em melhor condição financeira – notadamente, Flamengo e Palmeiras – jogaram duro para fazer parte dele e continuar com alguma vantagem contra adversários. Falta o reequilíbrio do pay-per-view. Depois, virão os direitos internacionais e a chegada dos gigantes do streaming.

A boa notícia é que os primeiros passos foram dados. Não apenas houve o reequilíbrio de dois terços do valor total da televisão (cerca de R$ 1 bilhão entre R$ 1,5 bilhão gasto pelas emissoras), o sistema hoje está mais meritocrático do que jamais esteve. Além do novo modelo no Brasileirão, a Copa do Brasil e a Libertadores foram hiper-valorizadas e tornaram as receitas como um todo muito mais variáveis.

Mas este é um assunto para outra coluna.

Fonte: Blog do Rodrigo Capelo - GloboEsporte.com

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